segunda-feira, 14 de abril de 2014

“Experiências populares de fruição e difusão literária”

Bienal Brasil do Livro e da Leitura
“Experiências populares de fruição e difusão literária”
Movimento Cultural Supernova – 13/04/14


Foi uma grande honra participar de um debate sobre o que tenho experenciado a cerca de 10 anos, através do movimento sociocultural em São Sebastião: a fruição e difusão literária na periferia.
Sem dúvida, uma grande satisfação compor uma mesa de debate ao lado de Sergio Vaz, poeta ícone do movimento cultural paulistano e TT Catalão, figura histórica da cena cultural brasiliense.
Entre esses dois, eu: estudante, artista, trabalhador, periférico, que humildemente considerei alguns pontos e aprendi mais sobre a práxis cultural.
Preparei esse texto no intuito de situar os espec-atores do debate.

EU E O COLETIVO:
Memorial da cidade amiga
Parnaibano solo de eflúvios fluviais,
Rio pleno de embarcações em tempos áureos,
- cúmplice d’águas sobre poemágico leito
O canto seja todo feito d’amor leal
De tanto amor também outros tantos te querem
Apesar desses ventos e remos e lemes
Inteiramente livres de livros e versos.
Berço-cama-mesa, universo e versos reais,
A memória é fraca e tênue como o corpo;
O que reluz d’outrora agora, muito pouco...
A voz d’antanho tange numa voz de morto...
O poema é faca de ponta que escava em vão.
A lua, no entretanto, que no céu circula,
É a mesma d’outrora e na lamina tremula.
                                    Alcenor Candeira Filho

Parnaíba, terra de poetas e inspiração para vida. Vim de lá e cá estou. Fazendo o que a prática infantil moldou. Ser atuante em um movimento sociocultural é ser participativo na busca da consciência filosófica, tornando-se então sujeito do processo. A partir do momento que nos transformamos em sujeitos, entendemos melhor a comunidade em que vivemos, falamos melhor, desatamos a língua e abrimos a mente para compreender conceitos e discursos complexos sobre a cultura, a sociedade, a política, as relações de poder etc.
Para iniciar, levanto os seguintes questionamentos a partir da poesia de Paulo Dagomé, precursor desse movimento:
o problema é que plantaram um gueto e um condomínio
numa mesma vizinhança mesmo pedaço de chão
e a convivencia acirrada entre grupos tão distintos
formou contraste esquisito e aumentou a confusão
o problema é que fizeram um buraco muito grande
entre o filho da madame e o filho da lavadeira
e enquanto ajudam ele descendo escada rolante
com a baixa autoestima gigante eu tô subindo a ladeira
o problema é que fizeram um abismo assoberbado
entre o filho do açougueiro e o filho do burguês
e enquanto eu assimilo o dialeto do gueto
falando língua de preto ele na aula de inglês

a questão é que a distância entre as satélites e o plano
é um abismo profundo de milhares de reais
e enquanto os playboyzinhos desfilam de carro novo
pelos lagos e pelas asas eu to andando pra traz

mas como diminuir o tamanho do buraco
sendo o mesmo tão extenso e sendo a corda tão fina
e como equilibrar os pés de luis inácio
no vão da boca do abismo da américa latina

e como vencer a antropofagia dos poderosos
donos de sanha tamanha e safadeza imortal
e como matar a sede desta classe predatória
que me quer analfabetos com fome e sem hospital

pra manter os privilégios e os ouvidos bem fechados
ao clamor dos miseráveis que habitam a estrutural
etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc.
etc.etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. coisa e tal
                                                   Paulo Dagomé

Como e por que o Movimento Cultural Supernova busca difundir modos diferentes de conhecer, relacionar-se e ser?  E como é possível, a partir da intervenção sociocultural, potencializar nossas ações, passando da resistência à ocupação dos espaços públicos, elaboração de ações, projetos e programas que repensem e signifiquem a atuação dos movimentos socioculturais e suas ideologias nas periferias de Brasília? Como a leitura, a literatura é usufruída e difundida nessas experiências?

O COLETIVO:
Há pouco mais de 11 anos artistas do Distrito Federal inspirados pela história brasiliense de resistência e manifestação cultural, intelectuais periféricos, músicos, poetas, pintores, trabalhadores, atores etc. através da arte, uniram-se na luta pela transformação dos pensamentos fincados na racionalidade capitalista.
Hoje, composto por sujeitos políticos envolvidos na busca por criar laços de sobrevivência, condições de emancipação do pensamento, reconstruir as identidades culturais e protagonizar outras histórias, o Supernova faz, através dos saraus, da poesia, da música, de manifestações artísticas em geral, verdadeira e viva a nossa cultura local, reconhecendo sua diversidade, a pluralidade étnico-racial.
Nossas principais ações são:
DOMINGO NO PARQUE: Manifestações artísticas em prol da ocupação e revitalização do parque ambiental do Bosque, realizado mensalmente. Público 300 pessoas.

FEIRA DA PERIFA: Sarau itinerante, realizado trimestralmente, em parcerias com outros coletivos. Público de 200 pessoas.
NOITE SUPERNOVA: Sarau realizado mensalmente. Público 300 pessoas.
SUPERRROCK: Festival Rock realizado bimestralmente. Público 150 pessoas.
LIBERTAD: Sarau realizado no dia da consciência negra. Público 200 pessoas.
Integramos junto com outras 30 entidades sociais e culturais de São Sebastião, o     FÓRUM DE ENTIDADES SOCIAIS DE SÃO SEBASTIÃO, espaço de discussão e deliberação de ações em prol de melhorias na nossa comunidade.
Reconhecemos-nos como mediadores de cultura no nosso grupo social periférico. A nossa função tem sido organizar a comunidade ou, pelo menos, tentar. O que percebemos é que a cada dia mais pessoas participam das nossas ações e compartilham de uma visão de mundo em comum.

A FRUIÇÃO LITERÁRIA
A força motriz que nos impulsiona a seguir em frente, não esmorecer ante os tantos obstáculos que se interpõem em nosso caminho, é a leitura. Acredito que nenhuma sociedade possa existir sem ler. Ler está no princípio do contrato social. Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. “Ler, quase como respirar, é nossa função essencial”.
“Livros determinados emprestam certas características a leitores determinados”
Acho que escolhemos bem nossas leituras, pois ficamos muito determinados a transformar a nossa comunidade e fazê-la um lugar melhor para se viver. E à medida que lemos, a cabeça enche de mais ideias e, para não explodir, sai em forma de poesia, canção, cena, imagem, grito a nossa intervenção.

A EXPERIÊNCIA POPULAR E A DIFUSÃO LITERÁRIA:
Como os saraus favorecem o nascimento e o desenvolvimento de leitores assíduos e contumazes?
Os Movimentos Sociais se apresentam ao longo da história das mais diversas formas e linguagens, porém, de um modo geral, mantêm um objetivo comum e universal: romper a ideologia dominante e demais formas de imposições sociais, buscando a renovação e transformação da sociedade. Dentro das favelas e periferias, esses movimentos, além de renovar e transformar legitimam as expressões das comunidades, explicitando sua identidade.
Para Milton Santos, o que se coloca em jogo atualmente, quando pensamos em sujeitos, indivíduos e movimentos sociais “é a disputa epistemológica entre dois paradigmas: o hegemônico (forma de conhecimento e racionalidade da ciência moderna, das práticas socioeconômicas capitalistas) e o emergente, que consiste em experimentações que buscam modos diferentes de conhecer, relacionar-se e ser”.
Assim, usamos o nosso cabedal literário e difundimos (encenando, cantando, recitando, tocando, pintando e bordando) uma interpretação das contradições que movem o presente no intuito de ressignificá-lo.


 Obrigado Supernova!! 

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