quarta-feira, 2 de março de 2022

Como conversar com crianças e adolescentes sobre a guerra?

 


Desde o dia 24 de fevereiro de 2022, o conflito entre Rússia e Ucrânia é o principal assunto nos noticiários ao redor do mundo. É assustador ver tanques passando por cima de carros, explosões, prédios destruídos, milhares de famílias fugindo desesperadas sob o intenso frio do leste europeu, medo, tensão, ódio, fúria, vingança.... Não é fácil acompanhar o que está acontecendo no coração da Eurásia, muito menos entender as imbricadas relações de poder por trás desses movimentos bélicos sanguinários.

Daqui da América do Sul, parece que estamos distantes de tal conflito, mas a realidade nos mostra exatamente o contrário. Com a globalização, estamos cada vez mais próximos e conectados, sofrendo rapidamente os impactados das crises que acontecem nos outros continentes. A pandemia da Covid-19 é um grande exemplo disso.

Nossa geração tem acompanhado quase que diariamente a sanha das grandes potências econômicas na busca pelo poder, que continuou, mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, onde países como EUA, China, Rússia, Israel, mantiveram o horror da guerra: Vietnã, Afeganistão, Irã, Iraque, Congo, Líbano, Síria, Nigéria e agora Ucrânia, são apenas alguns exemplos de uma lista que é imensa. Tal condição imposta ao mundo tem provocado medo, terror, apreensão, ansiedade, insegurança, destruição, muitas mortes e uma grave crise humanitária.

Se, para nós adultos, não é simples sentir e entender por que estamos diante de mais uma guerra, imagina para as crianças e adolescentes que, por estarem cada vez mais conectadas à web, estão bastante expostas a esses conteúdos horripilantes.

Dessa forma, é importante refletirmos sobre qual o nosso papel, enquanto educadores, diante dessa situação. Para onde precisamos olhar e como podemos cuidar dos impactos psicoemocionais provocados por essa tensão no mundo?

Aqui apresento algumas sugestões de como lidar sobre o assunto com as crianças e adolescentes. Afinal, a maneira como nos envolvemos e abordamos essa temática é uma importante referência para elas e as ajudarão a compreender melhor os impactos psicoemocionais causados pela guerra.

1.     Conversar honestamente sobre o assunto

As crianças e adolescentes estão recebendo as notícias sobre o que está acontecendo no mundo em relação a essa guerra, seja pelas redes sociais, ouvindo as conversas de familiares ou o som do telejornal passando na TV. Elas certamente farão perguntas sobre o que está acontecendo e é muito importante que possamos apresentar honestamente o fato, de forma simples, sem fantasiar ou diminuir sua importância.

2.     Compreender o que está acontecendo a partir de uma perspectiva existencial

Conceitos geopolíticos, historiografia, relações econômicas... são questões pouco importantes para uma criança. É irrelevante discutir a partir desses conceitos bastante abstratos e que não ajudam a conectar com o que realmente é importante: a vida. O que precisa ser destacado não são as razões de um lado ou do outro, sim o absurdo que é a guerra: como ela se opõe ao fluxo da vida e aos valores essenciais humanos e tem o poder de destruir a humanidade e os sonhos das pessoas, gerando desequilíbrio, separações abruptas, tristeza profunda e ameaças ao ecossistema. A partir disso, é possível contextualizar acerca das diferenças sociais e das injustiças no mundo, refletir sobre o sofrimento que está sendo imposto a tantas pessoas e tentar identificar os aspectos internos que agem como impulsionadores de uma guerra como: disputa de poder, orgulho, medo de perder, sentimento de escassez e falta de amor. Apresentar essa dimensão existencial ajudará as crianças e adolescentes a exercitarem a empatia e a processarem essa experiência em segurança.

3.     Identificar as mensagens psicoemocionais

Nem sempre a criança ou adolescente está preparada emocionalmente para entender ou lidar com tema tão complexo como a guerra, por isso é importante dedicar atenção para percebermos o que está acontecendo com elas e quais emoções estão presentes quando esse assunto vem à tona. Medo, ansiedade, aflição, insegurança são emoções comuns de surgirem e que se expressam de diversas formas: em desenhos e pinturas com cenas de violência, explosões e mortes, ou quando elas trazem muitas dúvidas e se mostram inquietas em relação ao tema. É necessário acolher essas demonstrações e expressões emocionais com escuta ativa e amorosidade.

4.     Ressaltar a importância do diálogo para a resolução de conflitos

Quando a temática da guerra surge, abre-se uma oportunidade para falarmos sobre a importância da comunicação para as relações humanas. É por meio da linguagem que expressamos nossos desejos e vontades, mas quando fazemos isso de modo violento, intransigente, autoritário, confuso etc. criamos muitos ruídos na comunicação, gerando, assim, conflitos. Mas com um bom diálogo é possível evitar desentendimentos, expressar e acolher sentimentos. Para estabelecermos uma boa comunicação é preciso essencialmente ouvir com atenção e empatia e se expressar com clareza e assertividade. Exercitar a Comunicação Não Violenta e a Comunicação Ecológica é um bom caminho para construir um caminho de paz, justiça e respeito.

5.     Possibilitar espaço seguro para abordar o tema

Promover rodas de conversa para que as inquietações possam ser apresentadas para o grupo de maneira tranquila e onde todos terão oportunidade de compartilhar seus sentimentos e percepções sobre os acontecimentos é uma boa forma de lidar com a temática. É importante que esse espaço seja de escuta sensível, acolhedora, sem julgamentos e debates sobre o certo ou errado. Permita que a criança possa se expressar e trazer as perguntas que quiser, dessa forma, você conhecerá melhor suas inquietações e sentimentos. Reservar um momento para partilhar os sentimentos presentes, as percepções e como isso impacta em cada um, pode ajudar a criar um valioso campo de confiança e segurança.

6.   Alertar os familiares sobre a importância de monitorar o que os filhos consomem na internet

Não há como negar a importância da internet atualmente. Por causa dela, temos acesso a informação, educação, comércio, lazer, entretenimento e, principalmente, comunicação, além de ser uma forma rápida e prática para interagir e aprender. Na web, um dos principais canais de comunicação tem sido as redes sociais, onde crianças e adolescentes exercitam sua autonomia e criatividade enquanto dialogam com o mundo. Mas é preciso estar sempre atento ao que os pequenos estão consumindo na web e quais os tipos de informações e conteúdos estão chegando até elas. Muitas dessas informações chegam também por meio de filmes, séries e animações, algumas que glorificam e exaltam a guerra. Dessa forma, ter o controle desse trânsito dos jovens nas redes é uma responsabilidade que pais e mães precisam assumir, pois muitas vezes a forma como a guerra está sendo apresentada pode ser impactante e nociva. Assim, estabelecer contato com os familiares e discutir formas de cuidar, monitorar e fazer esse controle das redes é uma medida importante a ser tomada.

7.     Manter-se bem informado sobre o assunto

É fundamental que antes de trazer qualquer uma dessas propostas para as crianças e adolescentes, os/as educadores devem pesquisar sobre a contextualização histórica do fato e as causas do que está acontecendo. Uma forma de estar seguro quando for apresentado algum ponto fantasioso ou duvidoso. Sabemos que as guerras são movidas muitas vezes por paixões ideológicas e os envolvidos são capazes de inventar narrativas falaciosas a fim de justificar suas medidas violentas se colocando como vítima ou até mesmo como heróis. Essas informações falsas são bastante perigosas. Assim, é importante que o educador mantenha-se atualizado e bem informado sobre a situação e que exercite entre a equipe docente encontros e rodas de conversa sobre o assunto. Mas lembre-se: não como um debate, mas como exercício da escuta ativa e do compartilhamento de emoções, sentimentos, princípios e valores.  Aproveito para indicar 3 vídeos que ajudam a contextualizar e se atualizar sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia:







Um comentário:

  1. Brabo brabo!! palavras bem sintonizadas, dando para entender a importância do debate sobre o assunto, e os melhores caminhos para isso :)

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