Símbolo histórico da memória de Brasília, Cerâmica Nacional é demolida.

Texto por Isaac Mendes
Foto: Edvair Ribeiro (2020)

A Cerâmica Nacional, localizada na cidade de São Sebastião DF, foi demolida no dia 12 de março de 2022, sem qualquer aviso prévio à comunidade, para dar lugar aos empreendimentos que vem no bojo do Alto Mangueiral. Importante símbolo histórico para a cidade, hoje temos apenas uma pilha de tijolos e um cenário desolador.

Foto Rangel Barbosa


Foto: Edvair Ribeiro

A história das Cerâmicas e Olarias de São Sebastião-DF se confunde com a história de Brasília. Por ser uma área rica em mananciais e terreno argiloso, a região onde hoje se localiza São Sebastião, favoreceu a instalação de Cerâmicas e Olarias, pois a obra prima para a fabricação de tijolos sempre foi abundante. Assim, a região passou a ser explorada desconsiderando o exuberante potencial ambiental e paisagístico existentes, dando início a um centro urbano que por décadas foi desprovido da qualificação de cidade.

O processo de apropriação começou por volta de 1955, quando foi montada uma comissão do governo de Goiás para executar o trabalho que daria início à construção de Brasília. Nesse período, todas as fazendas do DF eram particulares, mas foram compradas e doadas à União a fim de acelerar o processo de construção da Capital Federal. Assim, a área passou a ser ocupada por inúmeros trabalhadores, homens e mulheres, candangos e sonhadores oleiros.

Agrovila - Foto: Arquivo nacional de Brasília

Por meio do projeto Memórias Oleiras, Edvair Ribeiro, um dos pioneiros da Cidade da Argila, catalogou aproximadamente 100 olarias que atuaram freneticamente na produção de tijolos para os lagos e as asas do avião de concreto. Olarias que se espraiavam ao longo do córrego Mato Grande e Ribeirão Santo Antônio da Papuda, com vistas a suprir parte da demanda por materiais nas obras da construção civil de Brasília, negócio rentável que foi responsável pelo povoamento da Agrovila, que teve e tem seu desenvolvimento marcado por ocupações irregulares, grilagem e falta de planejamento urbano. Somente em 1993 consolidou-se como RAXIV - São Sebastião.

A Cerâmica Nacional foi uma das primeiras olarias da Região. Fundada em meados da década de 50, encerrou suas atividades quase 60 anos depois, por volta de 2011. O fim das suas atividades foi problemático e deixou muitos trabalhadores sem seus direitos garantidos, os quais lutam por eles até hoje.

A Cerâmica era porta de entrada da Vila do Boa. Sua imponente arquitetura marcava a paisagem daqueles que ali transitavam diariamente e inspirava fotógrafos/as e cineastas a registrarem o tom ocre de suas paredes, fornos e chaminés. Foi palco de ensaios fotográficos e gravação de videoclipes como Haiti, da banda Trampa e De rodinhas em rodinhas, da banda Brincantantes. Entretanto, no sábado, dia 12 de março de 2022, sua estrutura foi posta à baixo sem nenhuma cerimônia. E junto com aquelas paredes e chaminés, parte da história e identidade de São Sebastião também veio ao chão, vítima da avassaladora especulação imobiliária. Ainda não se sabe ao certo sobre a empresa responsável pela demolição, mas tal ação deixa uma ensurdecedora pergunta: por que destruir um símbolo da memória de um lugar?

Gravação De rodinhas em rodinhas - Foto: Isaac Mendes

A medida que o empreendimento Alto Mangueiral avançava, um pequeno grupo se formou a fim de lutar pelo tombamento (ato de reconhecimento do valor histórico de um bem que o transforma em patrimônio oficial público e institui um regime jurídico especial de propriedade) da Cerâmica. Mas a sanha dos especuladores foi mais rápida e poderosa. Não houve tempo sequer da comunidade ser informada que o lugar seria colocado abaixo. A demolição foi feita rapidamente e sem aviso, evitando assim qualquer impedimento neste sentido. O certo é que quem está por trás desse ato, não tem apreço algum pela história de São Sebastião, pois destruiu um símbolo histórico significativo da nossa cidade.

Tal acontecimento me traz à reflexão o apagamento histórico ao qual sempre fomos submetidos, que nos leva a não valorizarmos o passado ou o que é antigo, ancestral. A veneração é dedicada à modernidade, ao novo e traz consigo a ruína de uma sociedade que vê e se comunica virtualmente sem perceber a matéria histórica do que toca e do que a compõe. Assim caminha a humanidade. Para o futuro, fica da paisagem histórica apenas um relato, códigos binários e pixels no etéreo cérebro eletrônico.


Foto: Edvair Ribeiro

Foto: Edvair Ribeiro

Foto: Edvair Ribeiro

Foto: Edvair Ribeiro

Foto: Edvair Ribeiro

Foto: Edvair Ribeiro




Eu Isaac

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