Arte de Amanda Cintra |
No dia 05 de novembro realizamos o
encontro Território em Foco, para observar, refletir sobre o território de São
Sebastião e mapear as potencialidades e principais demandas que estão presentes
na nossa comunidade. Para tanto, convidamos familiares, crianças,
representantes de Organizações da Sociedade Civil, Movimentos Sociais, instituições
ligadas a saúde, garantia dos Direitos Humanos, meio ambiente, artistas,
professores, professoras, lideranças comunitárias, agentes culturais e outras
forças atuantes no território. Foi uma oportunidade para reestabelecer os vínculos
e contatos que se perderam ou se distanciaram por conta do contexto de pandemia.
O encontro foi parte de uma das atividades de formação do Programa Social Itaú Unicef o qual a Ludocriarte participa. Ao fazer esse olhar para fora, buscamos conhecer como se expressa a apropriação cultural e simbólica dos diferentes públicos e parceiros que estão relacionados à nossa organização e refletir como nos articulamos no território, junto a outros coletivos, grupos, associações e escolas, em vista de cumprir com o objetivo de promover a cultura da infância e proteger e garantir os direitos de crianças e adolescentes.
Mas por que estamos falando sobre
território?
Os territórios vão muito além
daquilo que pode ser delimitado por um mapa. “É por meio de tudo aquilo que é
vivido e experienciado no território que o tornamos vivo – quando por ele
transitamos, habitamos e existimos”. Então, são as relações e o que acontece
nessas trocas que dão sentido ao território em si, a esse espaço que está
delimitado por identidade e afetividade. Para Milton Santos “O território é o
chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos
pertence. O território é fundamento do trabalho, o lugar da residência, das
trocas materiais espirituais e do exercício da vida”.
Os dados acerca
da escolaridade dizem muito sobre o território: 97,3% dos moradores com cinco
ou mais de idade declararam saber ler e escrever; a população entre 4 e 24,
71,4% frequentam a escola e 26,4% já frequentou em algum momento, ou seja,
ainda há um alto índice de evasão escolar. Esse índice se mostra claramente
quando observamos que entre 06 e 14 anos, 98,2% frequentam a escola e entre 15
e 17 anos, 90% frequentam a escola. Há também um percentual relativamente alto de
estudantes que estudam em escolas fora do território (21,9% frequentam escola
no Plano Piloto). Acima de 25 anos, 31,3% tem Ensino Médio completo, 29% tem
fundamental incompleto, 18,1% superior completo. Os dados completos estão
presentes na PDAD de 2018.
Os dados nos
dão um indicativo acerca dos eventuais problemas que estão estabelecidos no
território, entretanto é a partir das práticas cotidianas, dos diversos entes e
agentes que podemos fazer uma leitura mais próxima da realidade. Assim,
levantamos algumas das principais demandas como a evasão escolar, acesso a
creche, gravidez na adolescência, situações de risco, trabalho infantil,
abandono, violência, depressão, desproteção social e fragilidade dos serviços
ofertados pelo poder público.
As perguntas
que nortearam nossa discussão foram:
- Quais as potências e principais demandas que estão postas no território?
- O fato de serem meninas, meninos, transgêneros, negros, indígenas ou brancos, com ou sem deficiências, faz alguma diferença na maneira de perceber o território? Como você trabalha esses vieses na sua instituição?
- Pensando neste período de crise sanitária e isolamento social, quais
- potencialidades do território ficaram mais evidentes nesse período? E o que se agravou?
- Como nos organizamos enquanto comunidade para enfrentar os problemas próprios do nosso lugar?
- Como podemos nos articular a fim de garantir o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes?
Assim, os diálogos
seguiram com a participação dos presentes que trouxeram ricas contribuições
para a leitura do território.
“A gente não trabalha com criança, mas a
gente faz alguns trabalhos pontuais com crianças, porque o nosso trabalho é
mais voltado para a questão ambiental. Mas a gente vê, sente aqui na pele, o
abandono das crianças, né? Que a gente fica lá na horta o dia todo e fica vendo
o movimento das crianças, não tem atividade. Esses dias eu tava relatando isso
pra um amigo que eu tava preocupada com as crianças que eu tô vendo que tão
abandonadas nesse tempo de pandemia, tão muito solta. Não tá tendo aula, né?” HOSANA
ALVES DO NASCIMENTO (HORTA COMUNTÁRIA GIRASSOL)
“A gente acredita que ao longo desses anos,
dessas décadas, a gente pode aprender um pouquinho dessa comunidade e com essa
comunidade. E o que a gente se sente e verifica na comunidade de São Sebastião
é que é uma comunidade muito proativa, uma comunidade diferenciada no contexto
do DF. Onde a gente vai, fala que é de São Sebastião, as pessoas reconhecem que
aqui tem muita atividade, tem proatividade, tem instituições, tem movimento
cultural, isso é bem interessante.” ANDERSON DINIZ GALVÃO (COMUNIDADE
BAHÁ-Í)
“Minha bandeira é essa, eu trabalho com
autismo, tem quase 10 anos já que eu faço atendimento clínico e meu foco é
autismo, e uma das perguntas foi se as pessoas com deficiência elas tem uma
forma de perceber o território e o que eu percebo é que eu não vejo nenhum tipo
de projeto não só aqui em São Sebastião, quando a gente fala mais em periferia
de regiões administrativas, não vejo projetos sociais voltados para isso, né? A
Brinquedoteca, é a paixão da minha vida! Lá tem crianças que são neurodiversas.
É uma das poucas ações que eu já vi feitas aqui na cidade contemplaram esse
público.” RAYANE MARTINS (MÃE LUDOCRIARTE)
“Conhecer a rede é muito importante, até pra
gente saber como que a gente vai prestar melhor apoio para aquela família que
nos procura, que vai muito além das questões de saúde. São Sebastião tem uma
necessidade diferenciada nessa questão social, psicossocial, e as demandas que
eu mais me deparo, na questão educacional são as dificuldades escolares,
dificuldades no aprendizado. Às vezes já chega com os encaminhamentos, já vem
com suspeita de TDAH, Autismo e a gente precisa de apoio pra estimular essas
crianças, pra dá apoio a essas famílias.” RAIGANNA (NASF)
“ O contexto de pandemia e de crise
sanitária, eles mostram várias feridas, né. A gente tem um momento em que as
várias desigualdades que existem, foram evidenciadas e potencializadas. Então
eu vejo assim que, agravou a necessidade de termos uma cidade que realmente
pense no ser humano, que pense como pessoa. Eu enxergo, por exemplo, a questão
educacional. Eu enxergo que tem uma dificuldade da gente ter acesso à
tecnologia, a gente tem dificuldade em ter acesso a aparelhos, a internet, pra
que a gente de fato invista no tele trabalho e tenha um isolamento enquanto
cidade, né. Um isolamento social. E eu fico pensando, como é difícil da gente
se isolar, por exemplo, numa kitnet, em lugares que não favorecem o isolamento
social. Então, pra mim, isso só potencializou a gente vê que realmente a gente
tem uma cidade que precisa investir no ser humano.” MATHEUS COSTA (CED SÃO
FRANCISCO)
“Há sete anos estamos desenvolvendo um
projeto que acho que é um projeto muito forte e potente aqui de São Sebastião e
é único aqui no Distrito Federal e a gente precisa realmente falar sobre ele, a
gente precisa ser conhecido. Tem a lei 10.639, que trata da obrigatoriedade do
trabalhar a questão Afro-brasileira e africanos nas escolas públicas e privadas
e a 11.645 que agrega o indígena. Então, afro-brasileiro, indígenas e ciganos,
tem também nas escolas. E nós desenvolvemos esse trabalho lá, pra justamente
tratar a questão do racismo. E além de enxergar, ver, potencializar as crianças
negras e indígenas que tem aqui na nossa cidade, é pra gente também criar,
educar crianças antirracistas e levar esse olhar para as famílias, né? Porque
as famílias também são impactadas. Quando eu chego na escola e uma aluna fala:
- meu cabelo é de Bombril! A gente precisa problematizar isso, descobrir de
onde uma criança de 4 anos trouxe toda essa bagagem e levar isso pra ser
refletido mesmo, no dia da apresentação, no festival, fazer as famílias pensarem.
A intenção é abrir para a comunidade todas essas questões e fazer pensar o que
a gente faz no dia a dia e quebrando todo esse racismo que tem na nossa
sociedade.” FRANCINEIA ALVES (MÃE LUDOCRIARTE – CEI 01 DE SÃO SEBASTIÃO)
“A gente tem, assim, à margem da 251 tem uma
área muito grande pra trazer atrativo de empresas maiores, a gente tem um
aeroporto que pode ser tornar um aeroporto bem movimentado lá no PADF. E a
gente tem o polo agroindustrial do PADF que vai ser instalado ali, a gente vai pra
251 tem o aeroporto aqui e vai ali na DF 140 logo, logo a gente emenda com
porto seco de Santa Maria. Então a gente pode envolver aí um grande trajeto de
movimento comercial aí, nessa região e pode gerar emprego e renda... aqui temos
um aeroporto com vários hangares, mas falta mecânico que reforme o avião, por
exemplo. Então a juventude de São Sebastião podia tá se especializando na
mecânica de aeronaves, na mecânica básica, tal. São coisas que a cidade tem potencial
pra desenvolver, mas, às vezes, a gente não tem o caminho, né? Tem é coisa que a gente precisa saber como
envolver a cidade nisso aí, pegar esse potencial, antes que a [BR] 251 seja
ocupada de forma que não sobre espaço mais para desenvolvimento econômico”
WALDIR CORDEIRO (LIDERANÇA COMUNITÁRIA)
“A ideia é que realmente a gente abra o IFB
para as crianças. A gente tem dentro do curso de Pedagogia alguns projetos
ligados as escolas públicas de São Sebastião, realizou o evento também da
jornada literária, recebeu um monte de escolas da cidade. Eu acho que o IFB
veio pra cidade muito pra ser mais um equipamento não só educacional, mas cultural
também, né? Para que as pessoas possam utilizar o espaço público. Então, o
auditório não é só nosso... é da cidade. Pelo menos, acho que uma boa parte dos
professores e o atual diretor pensam muito dessa forma, de que o IFB faz parte
da comunidade e é um espaço que deve ser apropriado por todos... A gente ainda
não voltou com as aulas presenciais e como a escola pública ainda não voltou, a
gente tem ainda muitas alunas mães e que estão com crianças em casa e a gente
tá vendo que realmente tá acontecendo um abandono das alunas nos cursos que não
estão dando conta, né? Muitas trazem problemas de saúde mental, de que não
estão dando conta, porque tem muitos afazeres, muitos perderam o emprego... tá sendo
muito difícil pra gente lá no IFB conseguir ajudar que os alunos permaneçam.
Acho que essa é a grande missão educacional, né? Que eles façam os cursos, que
eles saiam com uma capacitação, com uma formação. E a missão do IFB nesse
período foi o dever solidário. Então, a gente fez lá um processo um pouco
parecido que eu vi que a Ludocriarte fez também, de arrecadação e a gente distribuiu
cestas pras famílias dos alunos pra tentar de alguma forma ajudar nesse
período.” MONICA PADILHA (COORDENADORA DO CURSO DE PEDAGOGIA IFB - CAMPUS
SÃO SEBASTIÃO)
“Eu estou ouvindo aqui as falas de todo
mundo e eu queria pedir licença pra poder cantar uma canção, à capela. Talvez eu
consiga que de alguma forma traz um pouco assim, que eu tava pensando em compor
uma canção que fosse uma espécie de We are the world de São Sebastião, com
vários músicos cantando e é um projeto que eu nunca consegui levar adiante, aí,
acho que vou realizar esse sonho aqui, agora com vocês. Faz de conta de que tem
várias pessoas cantando Rap, alguém do Sertanejo, alguém do Pagode, tá?
No princípio era o barro e as fontes
documentais
dizem que dali nascera o primeiro dos casais
O qual foi multiplicando entre alegrias e
ais
até despejar na terra gente que não acaba
mais
Os oleiros e as oleiras gastaram suas
digitais
nos tijolos que ergueram palacetes catedrais
Até só serem lembrados nos festejos anuais
pelo caudilho da hora e os lambe botas reais
Minha cidade é pobrinha como todas as demais
mas é também muito rica de valores
ancestrais
Tem avozinhas bonitas tem avozinhos legais
tem moças inteligentes e os rapazes são
demais
Muitas mulheres guerreiras como não conheço
iguais
muitos homens valorosos atrás dos seus
ideais
Crianças correm ligeiras vigiadas por seus
pais
e adolescentes se esgueiram pelas vias
principais
Eita paixão antiga nas mãos dadas dos casais
Tuas veredas teus córregos que eu não
esqueço jamais
Eita paixão bendita teus filhos só querem
paz
Eita cidade bonita mãe da mãe das capitais
Veículos d’um tempo antigo puxados por
animais
misturam se pelas ruas com carrões fenomenais
A feira livre é diversa com alguns poucos
reais
você compra de um tudo e ainda leva um pouco
mais
Tem gente trabalhadeira que não descansa
jamais
tem muita gente ordeira apesar dos marginais
Lojas bancos prédios praças e otras cositas
más
domingão tem muita bola e os cultos
dominicais
Hortaliças e legumes frutas peixes e animais
são colhidas e criados nas propriedades
rurais
Na roça o povo labuta nos plantios e nos
currais
mas estão conectados pelas redes sociais
Tem folia tem divino tem catira e festivais
comitivas cavalgadas torneios tradicionais
Tem mutirão tem novenas quadrilhas cacuriás
xote baião e xaxado variados arraiás
Eita paixão antiga nas mãos dadas dos casais
Tuas veredas teus córregos que eu não
esqueço jamais
Eita paixão bendita teus filhos só querem
paz
Eita cidade bonita mãe da mãe das capitais
Minha cidade é riquíssima em projetos
culturais
apesar de bem fraquinha em termos de IDH’s
Artesãs produzem rendas roupas biscuits
enxovais
e o comércio multiplica profissionais
liberais
Cantores de vários gêneros povoam os
festivais
poetas vários infestam os saraus e os
recitais
Tem pintores escultores atrizes sensacionais
cinema fotografia e as artes teatrais
Em se falando de esporte minha cidade é
demais
já galgamos com orgulho pódios
internacionais
Nos diversos segmentos nossos atletas locais
praticam desde golzinho até artes marciais
Nos pleitos nossa cidade é pulverizada
demais
a falta de unidade é um dos males principais
Políticos compram anúncios nas páginas dos
jornais
e a vida segue ligeira e não volta nunca
mais
Eita paixão antiga nas mãos dadas dos casais
Tuas veredas teus córregos que eu não
esqueço jamais
Eita paixão bendita teus filhos só querem
paz
Eita cidade bonita mãe da mãe das capitais”
PAULO DAGOMÉ
(POETA - MOVIMENTO CULTURAL SUPERNOVA)
“Acho que é fundamental ter esses espaços
pra pensar o território, juntos. Não sei como é que a gente vai fazer, que
formato a gente pode dar a essas discussões, mas seria muito interessante não
perder essa possibilidade de troca. Isso era uma coisa que eu queria dizer.
Como seria resgatar esse Fórum de Entidades ou qualquer outra coisa que represente
um pouco a gente aqui, né? Não só das entidades sociais, mas as escolas. É
muito bonito ver como a rede foi se criando com pessoas que estão envolvidas e
interessadas com as questões do território.” PAOLO CHIROLA (PRESIDENTE DA
ASSOCIAÇÃO LUDOCRIARTE)
“Acho que uma das coisas mais bonitas que eu
percebi nesse momento aí, relacionado com São Sebastião, especificamente, foi a
capacidade que a comunidade local tem de sentir a dor do outro. Apesar dessa
falta de unidade, da gente não saber lidar muito bem com essas necessidades de
conexão, a gente ainda ta explorando e vendo as necessidades, mas quanta
solidariedade foi mostrada, né. Várias pessoas já mencionaram a questão das
doações de cestas básicas, das rondas que foram feitas pra ver se tem famílias
precisando, os professores, né?” MARY (COMUNIDADE BAHÁ-Í)
“Eu moro aqui, embaixo da Tradicional e nós
temos uma favela do lado da gente, chamada Jardim Green???, tem mais de 300,
400 famílias e cheio de crianças pra todo lado. E essas crianças estão por aí,
sem nenhum forma de apoio. Já não tinha antes, imagina, o Congo Nya trabalha
104, o Brinquedoteca no 103, outro movimento pro essa lado aqui diz foi montado
isso comunidade no tem. E hoje, eu tenho certeza que o grande maioria no tem nem acesso, a aulas
online e seus apoios todos só. Imagine o que a gente passa, quando a gente
passa lá todo dia, o que a gente ta vendo e como essos crianças estão expostos
né?... O Instituto Congo Nya, quadra 104, trabalha voltado pra questão do
negro, na nossa cidade e em Brasil, em todo. A gente já fez esse trabalho, o
trabalho foi bem feito, mas a gente observa vários coisas dentro do sala de
aula que a gente não esperava de ter, não esperava de encontrar depois de
tantos anos, depois de tantos protagonismos e esses tipos de coisas. A gente vê
que o trabalho não para por aí, entendeu? Tem que continuar e tem que ser
identificado e precisamos muito mais pessoas envolvidos nelas, especialmente na
nossa área, porque a gente sabe que qualquer situação, qualquer problema
grande, acontece em sociedade, o parte da sociedade em que é mais afetado é a
parte mais baixa. E o grande maioria somos nós.” SHERWIN MORRIS (INSTITUTO
CULTURAL CONGO NYA)
“O que é interessante pra essas crianças é o
contato. É poder encontrar o monitor, é poder brincar, é poder fazer atividade,
a interação pessoal, física ali entre o outro. Porque esse afastamento é muito
complicado, né? Principalmente pra esse público, né? Além de crianças, jovens,
a questão tá bem séria mesmo. E a questão de recurso também, são vários
fatores, né? Que complica a questão dos nossos trabalhos aqui em São Sebastião.”
MARGOT RIBEIRO (INSTITUTO CULTURAL CONGO NYA)
*FONTE: CODEPLAN – PDAD 2018.
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