Ludocriarte e Cia Fábula: território cênico em ação

Nessa crítica, apresentaremos um breve histórico acerca da parceria entre a Associação Ludocriarte e a Cia Fábula. Buscaremos apresentar o trabalho desenvolvido na Ludocriarte, que atua há 15 anos, em São Sebastião/DF (território marcado por profunda desigualdade social), na realização de diversos projetos no atendimento a crianças e adolescentes entre 06 e 17 anos, possibilitando processos de aprendizagem em diversos campos do desenvolvimento humano, inclusive no campo das artes cênicas.

A Ludocriarte tem como missão desenvolver ações socioeducativas para crianças, adolescentes e seus familiares por meio da linguagem lúdica, artística e cultural, visando a promoção da autoestima, da comunicação e livre expressão. Para tanto, são oferecidas diversas oficinas e atividades: música, artes, atividades lúdicas (brincadeiras livres e dirigidas, jogos etc.), cultura digital, criação e contação de histórias, artesanato, fabricação de brinquedos, capoeira, Biodanza, danças urbanas, jogos cooperativos e expressivos, saídas de campo e teatro.

São 15 anos dedicados a infância, possibilitando alternativas de enfrentamentos aos diversos desafios presentes no território, como a escassez de lugares que promovam a cultura da infância, dificuldade de acesso a direitos básicos como saúde, cultura, esporte e lazer, a vulnerabilidade social e o contexto de violência e desigualdade. Como forma de superar esses desafios e oferecer um espaço repleto de descobertas e aprendizagens que colocam o brincar, a arte e a cultura, na centralidade de cada uma das propostas, a Ludocriarte tem firmado importantes parcerias, por exemplo, com a Cia Fábula, que, ao longo dos últimos anos, tem possibilitado experiências bastante significativas no campo das artes cênicas, tanto por meio de apresentações, como por meio de oficinas e direção de espetáculos.

A arte é uma forma de expressão e de linguagem que nos permite demonstrar nossos sentimentos em diferentes aspectos e encontramos no teatro uma importante ferramenta para formação de crianças e adolescentes, pois auxilia tanto no crescimento pessoal quanto cultural do sujeito, desempenhando funções significativas no processo de desenvolvimento do ser humano. Além de explorar a imaginação, o convívio e a relação social, também proporciona uma valiosa oportunidade de expressar sentimentos, aceitar diferenças e desenvolver a autoconfiança. Por isso, sempre foi interesse da Ludocriarte explorar essa linguagem como ferramenta transformadora, possibilitando o acesso e a vivência com tal arte.

Ao longo dessa trajetória e inseridos nesse contexto, é que nos deparamos com o trabalho da Cia Fábula, fundada em 2012 por iniciativa de Kelly Costty, inicialmente com o nome Cia teatral Três Amiguinhos (a qual Isaac Mendes, atual coordenador pedagógico da Ludocriarte, foi integrante) e que consolidou ao longo desses anos uma vasta experiência no campo das artes cênicas, no território distrital. O fato de Kelly Costty ser moradora de São Sebastião e estar atuante na vida cultural da comunidade, a proposta coerente e inovadora apresentada pela Fábula e o seu caminhar convergente aos valores e princípios da nossa organização, foram os alicerces da nossa parceria. Assim, tivemos a oportunidade de desenvolver algumas ações juntos, onde destacamos 3 momentos especiais: as oficinas de iniciação teatral para crianças e adolescentes (2018), as oficinas de jogos teatrais para preparação de atrizes e atores (2019) e o espetáculo teatral “Zezé, aquele que sabe o que quer” (2019).

As oficinas de iniciação teatral para crianças e adolescentes abordaram o combate ao bullying, a violência infantil e o respeito às diferenças, tendo como pano de fundo uma das mais conhecidas fábulas de Esopo: A lebre e a tartaruga, adaptada e contracenada pela cia Fábula em diversas escolas de São Sebastião, onde as crianças que frequentam a Brinquedoteca estudam. A oportunidade de assistir à peça e depois participar das oficinas permitiram a abertura de um canal de conexão muito rico e favorável a aprendizagem, ativando o corpo, as emoções e a atenção para compreensão da dimensão do assunto abordado.

Além de promover reflexões importantes no sentido de aprender a conviver, as oficinas também exploraram conteúdos cênicos necessários à formação do ator, tais como: improviso, oralidade, expressão corporal, impostação de voz, vocabulário, tomadas de decisões, memória etc.

A realização da peça de teatro musical Zezé, aquele que sabe o que quer foi um dos pontos altos da nossa parceria com a Cia Fábula. O espetáculo, inspirado na obra Kiriku e a feiticeira, de Michel Ocelot, livremente adaptada para o teatro e ressignificada na poética, musicalidade e tradições da cultura popular nordestina, contou com a direção cênica de Kelly Costty que dirigiu e preparou mais de 70 crianças e adolescentes que entraram em cena para dançar, cantar, tocar e contracenar. Para tanto, a Fábula ofereceu 10 oficinas aos grupos de crianças e adolescentes, preparou a equipe de educadores para desenvolver, ao longo de dois meses, jogos teatrais com as crianças e adolescentes. As atividades potencializaram habilidades para além do jogo cênico, utilizando outros campos das artes como as artes plásticas (pintura corporal, confecção de figurino e montagem de cenário). A parceria com a Fábula foi primordial para a qualidade do espetáculo, pois o preparo, o conhecimento e o talento da direção cênica oportunizaram a apropriação da compreensão técnica dos diversos elementos que compõem o teatro.

Vemos, cada vez mais, que se torna necessário e fundamental possibilitar o acesso a uma vivência teatral com profissionais capacitados que compreendem a importância de promover a interação diante da obra teatral, exercendo assim a potencialidade transformadora e libertadora da arte. Sempre que tivermos a oportunidade, voltaremos a trabalhar com a Cia Fábula. Os benefícios dessa parceria vão para além dos conhecimentos cênicos, trazendo contribuições para o fortalecimento da cidadania, para a prevenção do risco social dos jovens participantes e para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, preceitos essenciais do trabalho desenvolvido nesta organização.

 

São Sebastião, 22 de outubro de 2020.