Recentemente me vi atacado por amigos e conhecidos ao tomar posicionamento acerca do debate que envolve a performance La Bête que inaugurou a Mostra Panorama da Arte Brasileira (só para convidados – diga-se de passagem), no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, onde o artista carioca Wagner Schwartz apresenta-se nu ao fazer a releitura da série Bicho, de Lygia Clark. A polêmica gira em torno do fato de uma garotinha ter interagido com o artista durante a performance. Uns alegam apologia à pedofilia outros não encontram nenhum tipo de violação aos direitos das crianças e adolescentes. Eu estou entre estes. Imediatamente fui acusado de defender a pedofilia. Agora amigos têm medo de que eu me aproxime de seus filhos, fui transformado em um pervertido que não entende nada sobre garantia e proteção de direitos. Seria engraçado se não fosse triste.
Tudo começou com o compartilhamento do texto: o homem do pau brasil, de Ivana Bentes, publicado no site da mídia ninja. O texto faz algumas considerações sobre a guerrilha cultural engendrada pelo MBL que está se especializando em produzir escândalos em cima do senso comum e de um imaginário do medo. Um grupo que está nas redes fazendo disputa político-ideológica e utilizando o Estatuto da Criança e do Adolescente (o mesmo que, pouco tempo atrás, servia apenas para defender bandido) para produzir uma histeria coletiva em torno de uma performance envolvendo um artista nu e uma espectadora criança. Embora todo alvoroço causado, ninguém explicou, até agora, como a performance do MAM viola ou fere o Estatuto da Criança e do Adolescente. Já não se discute mais o fato em si. O que vejo é um debate duplamente deturpado: pelo MBL e pelos defensores da moral e dos bons costumes que usam o ECA para produzir mais histeria e moralismo.
Acompanhei, durante um tempo, a repercussão do fato pelas redes sociais. Li posicionamentos em veículos de comunicação que falavam contra, a favor, criticamente, reflexivamente... acompanhei comentários em grupos de whats e face, lendo opiniões das mais diversas. Inicialmente percebi a completa distorção dos fatos, a começar por uma montagem esdrúxula de um homem nu de mãos dadas para 4 crianças, produzida e compartilhada por maus caracteres e/ou desinformados. Compartilhei um texto esclarecendo sobre o objetivo inicial da performance e em seguida o texto de Ivana Bentes. Achei nesses dois textos boas informações para instigar o debate. Aos poucos, amig@s que discordam do meu posicionamento político, começaram a fazer indagações, ataques e a reproduzir palavras de ordem a favor da moral e dos bons costumes calcadas no senso comum. Ora, esperava que o debate pudesse girar em torno do texto da Ivana Bentes que traz reflexões sobre a cultura do medo utilizada como massa de manobra, a arte contemporânea e suas obras disruptivas, sobre a nota divulgada pelo MAM, sobre a presença da mãe e seu incentivo para que a filha interagisse com a obra viva etc.
Porém, meus amigos possivelmente nem leram o que compartilhei, não investigaram as provocações, se muniram de recortes de conteúdo e reagiram passionalmente às indignações pré-fabricadas, demasiados seguros de suas verdades, de suas crenças, de seus medos. Respondi a alguns ataques, ignorei outros ao perceber que o STF (Supremo Tribunal do Facebook) estava na minha cola, com uma tentativa absurda de fazer justiçamento, atacando a mim, o meu trabalho, a minha história. De repente amigos passaram a me ver como um monstro, um pedófilo, pervertido, outras pessoas já acham que eu represento um perigo para todas as crianças, "um educador, ex conselheiro tutelar defender um ato ridículo como esse é aterrorizante". Mesmo diante desse absurdo, acho importante destacar que os posicionamentos tomados por mim são expressões particulares e não dizem respeito a nenhuma instituição que eu tenha feito ou faça parte. Aviso aos meus detratores que se tiverem alguma denúncia ou algo que comprove má conduta ou crime por mim cometido, façam isso juridicamente e não através de calúnia e difamação. Eu não tenho medo de enfrentar qualquer acusação, pois sei da conduta ilibada com a qual tenho seguido em minha vida pessoal e profissional.
Eu não tenho filhos, mas se tivesse certamente não os levaria para interagir com tal performance. Acredito que existem outras formas mais interessantes, adequadas e condizentes com a minha forma de pensar educação. Porém, não posso acusar ou julgar a mãe que tem garantido o direito de escolher que tipo de educação oferecer a seus filhos e permitiu que sua filha participasse e interagisse com tal performance, a qual não assisti e não posso tecer considerações sobre seu conteúdo ou qualidade. Todavia, reafirmo que não vi nenhuma conotação sexual, erotização, apelo à pedofilia, pornografia ou algo que ferisse os direitos da criança. Apenas um corpo nu estendido no chão. Não é de hoje que a nudez está presente em obras, exposições, exibições, performances de arte. A nudez faz parte da história da arte que se ressignifica a passos largos e nunca deixa de questionar padrões e o senso comum. A arte está aí para incomodar, causar instabilidade nas estruturas, fazer as pessoas pensar e refletir.
Durante o período que atuei como Conselheiro Tutelar nunca vi tantas pessoas discutindo com esse nível de atenção e minúcia sobre os tantos crimes que assolam as crianças e adolescentes brasileiras. São inúmeros os exemplos que nunca foram alvo de amplo debate: milhares de crianças vítimas do tráfico, onde o máximo que ouço é: "CADEIA NELES!" "SE TEM IDADE PRA MATAR, TEM IDADE PRA SER PRESO!" Também nunca vi tanto alvoroço acerca das crianças vítimas da seca, da fome, da má qualidade de ensino, vítimas da exploração sexual infantil etc. etc. Fatos reais, gravíssimos, da nossa história e do nosso presente. Mas de repente, a pauta política puxada pelo MBL é que conduz a indignação seletiva da população facebookiana. O nível de hipocrisia é tão grande que consumidores do xvideos, um dos maiores sites pornôs do mundo que incentiva a pedofilia, o incesto, o estupro etc. são agora arautos da moral e defensores dos direitos das crianças. Deveriam começar pensando que boa parte daquelas mulheres, recém-saídas da adolescência, foram jogadas nesse mundo perverso ainda crianças.
A minha caminhada e busca é no sentido de encontrar soluções factíveis para a transformação dessa realidade cruel. Faço o que posso e o que está ao meu alcance. Uso como principais ferramentas de transformação a arte, a cultura e a educação e sigo nessa toada há mais de 12 anos. Todavia tenho consciência de que a caminhada em direção a uma educação humanista, para todos, de qualidade que inclua a cultura da infância, o lúdico, a arte, a filosofia e desenvolva o gosto pela leitura, o senso crítico, aprimore o respeito à natureza etc. é muito longa. Os interesses hegemônicos vão na contramão dessa luta e nos impelem a ter que permanecer diuturnamente no front da batalha, disputando narrativas, dando explicações que muitas vezes não são entendidas (e provavelmente não se espalham além da bolha), enquanto os abismos crescem e os falsos moralistas ganham cada vez mais espaço, utilizando velhos clichês, os mesmos que um dia nos encaminharam rumo a uma ditadura desastrosa e perversa.
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